quarta-feira, 16 de junho de 2010

Elis: a caminho do sol



Elis Regina Carvalho Costa, nasceu em Porto alegre (RS). Começou a cantar em programa infantil da Rádio Farroupilha, até se projetar para o Brasil. Há 28 anos atrás, em 19 de janeiro de 1982, a notícia de sua morte, ocorrida em São Paulo, paralisou o país em todos os aspectos.
Os brinquedos e demais proezas infantis. Menina coberta de dengos maternais: trajes variados, cabelos adornados, o piano (cor-de-rosa) no quintal. O cotidiano soprou musicalidade à vida de Elis: aplausos dominicais levaram-na a enfrentar uma plateia pouco exigente, diversão em programa de auditório, sem maiores pretensões. Adolescendo o canto a voz tornou-se promissora, mas estudar era prioridade, exigência, impasse: o vermelho não podia se acender no boletim nem a aspiração musical podia apagar-se em seus planos.
O rádio espalhava grandes vozes nacionais e sedutores boleros latinos. Ângela Maria influenciou-a diretamente e seu canto começou a despontar vinculado a palcos locais, sinalizando, definindo a cantora que parte. E desponta o primeiro disco adubando esse desabrochar de carreira. “Vida de Bailarina” (1954), gravada pela Sapoti, é relançada pela “Pimenta” agridoce, no LP Elis (1972).
Fazeres escolares engavetados, curso sem conclusão, vestidos na valise, estrada de setas: avista “os dedos de Deus”. Em Copacabana deu de cara com as feras da noite, desafiou os valentes, desbravando o Rio. Um dia pensou em voltar à vida quieta de Porto Alegre, enterrando o projeto musical, exumando a escolaridade. Mas encorajada pelo jornalista Renato Sérgio, levou a sério os ensaios e se fortaleceu no Beco – pôs-se a cantar “num bar em troca de pão” –, partindo para apresentações mais consistentes, contrariando as expectativas dos produtores bossanovistas. “Eu tinha os olhos de espanto e o coração aberto demais” – disse mais tarde sobre sua inclusão carioca.
A Record presenteou-a com “O Fino da Bossa”, que fora seu primeiro e grande momento na televisão, mas o sucesso paralelo da Jovem Guarda, ofuscou o brilho do programa. A convite da emissora, Bôscoli reaparece na vida da cantora: olhares fuzilantes, testemunha indesejável, ironia do destino. Mas ele sabia iscar anzol, fisgar mulheres e mansos olhares acomodaram-se à meia luz, sob o romantismo do vinho. O piano e as conversas eram uma só musicalidade e o amor pareceu pacificar os inimigos.
E, da mansão “marroquina”, a visão paradisíaca do mar azul-turquesa, cravejado de ilhotas: o apogeu depois das agruras. O produtor adicionou traços urbanizados à cantora, – entendia de moda, estrelato – , mas ela continuou assoviando,  a sorrir, discos (voadores) arremessados sobre à Niemmyer: "Quaquaraquaquá” em seguida. Mas as trivialidades somam-se às severidades, separando-os. Elis não era fácil porque desafiava o difícil, literalmente.
A casa da Cantareira era o pedestal da paz: despontar de luas, ar sem diesel, inventos caseiros. “Quero a floresta em lugar da cidade (...)”. Tocando as coisas simples instalava-se no cotidiano rural e pacificava-se, depois da explosão de Falso Brilhante.
O pianista e arranjador César Mariano abrilhantou a carreira da artista por toda a década de 70, na eclosão da modernidade musical. Além da montagem de Trem Azul sem o pianista, tinha também que conectar os trilhos da vida, mas encantada com a invenção de cantar, en(cantou)-se: “Cantar era buscar o caminho que vai dar no sol...” Elis faz arrastão em outras correntezas, no giro de luas e cometas, no mar sem fim das galáxias, onde mergulham as estrelas.

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