quarta-feira, 23 de junho de 2010

Elis em retrospectiva

Elis Regina Carvalho Costa, série Grandes Nomes, TV Globo
1.
Eu estava no Recife, no bairro de Casa Forte: essa foi a imagem mais destacada no programa Retrospetiva 1982. No primeiro dia do ano de 1983, o disco Trem Azul me foi apresentado por Mariana Arraes, filha do ex-governador Miguel Arraes (in memoriam): era uma reunião de poucos amigos, rememorando  a noite de revéillon. Todos queriam que eu ouvisse, repetidas vezes.  "Agora o braço não é mais o braço erguido num grito de gol; agora o braço é um  traço, uma linha, um rastro espelhado e brilhante... Como uma estrela. Agora eu sou uma estrela..." É, os braços de Hélices não pedem mais vento!
2.
Quando foi lançado o DVD Elis Regina Carvalho Costa, com a íntegra do show exibido pela TV Globo / 1980, houve uma intensa procura. Indiquei-o a muitos que jamais conheciam aquele trabalho, antes  lançado em fita VHS, também pela Globo, e mais dois vídeos apresentados por Marília Gabriela e Irene Ravache. Houve grandes abalos no ano de 1982, abrindo crateras na memória: as mortes de Elis Regina e Adoniram Barbosa, poeta do Bexiga, amigo e parceiro da cantora; além de Márcia de Windsor. No âmbito internacional, ícones do cinema, como a atriz-princesa Grace Kelly e Romy Schineider... O show, dirigido por Daniel Filho,  ficou marcado pela interpretação em Atrás da Porta, de Chico Buarque: "Quando Olhaste bem nos olhos meus / E o teu olhar era de Adeus / Juro que não acreditei..." Gravada em 1972, a música não maldizia o amor, quando César e Elis  juntaram piano, voz, vidas. Mas, no palco-picaceiro,  por ironia do destino, Atrás da Porta era um recado dito ao pé da letra, arrancado de si; desmoronando parte do que fora feito em quase uma década. "E me vingar a qualquer preço / Te adorando pelo avesso / P'ra mostrar que inda sou tua..." As marcas de César Mariano estão muito bem impressas à carreira de Elis, que homenageia o músico convidando-o à segunda parte do show.  
3.
Elis pensa nos amigos de pandeiro, batucada de velhos carnavais. Escuta o canto dos riachos que descem a serra da Cantareira, inundando as hortas: os filhos cruzam a correnteza e colhem os frutos da canção Aos Nossos Filhos, de Ivan Lins. Qualquer disco relançado vende muito, porque Elis continua cantando melhor.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

              Elis in Montreux                                     

Imagem: disco Elis em Montreux


Elis in Montreux, o disco, não teria amornado a fervura da carreira de Elis Regina, se tivesse seguido a normalidade do projeto musical que se pensava, à época. Mas houve uma severa intervenção da cantora: insatisfeita com sua performance na noite suíça/brasileira, decidiu que  o show fosse um gélido acontecimento, ausentando a possibilidade de transformá-lo em disco. André Midani arquivou os registros. No entanto, a fatalidade de sua morte se mistura à revelia, e por ser póstumo, gera um justo motivo e nenhum remorso... Diante disso a publicação da obra aconteceu, e ainda  se ouvem as ovações. Elis  temia em não agradar o mundo afora, mas o que foi lançado em 1982,  é a prova que contraria essa decisão.


  

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Elis, Elis, Elis!
                                      DVD Trama, série Grandes Nomes


Elis Regina Carvalho Costa, nasceu em Porto Alegre (RS).  Nesse início de ano ouve-se falar mais dessa mulher, que  em 19/01/1982, subitamente, nos deixou.
A obra da artista, no entanto, é seu maior legado e parâmetro para muitas discussões. Elis não era uma cantora tipicamente comercial, aquela que canta qualquer coisa... Comprometida com as questões sociais do seu país, e consequentemente com a universalidade da problemática das pessoas, o repertório tinha que ser objeto de luta.  Contudo, seu trabalho, sendo aceito pela qualidade, que se venda muito, até porquê  faz-se com todo produto fabricado. Melhor é tê-la como instrumento de pesquisa, distanciando-a do saudosismo que a envolve, causado pela comoção nacional, que talvez, gradativamente, a consuma.  No entanto, os registros póstumos acrescentados à obra da cantora, têm que ser encarados como  objeto cultural, muito pouco de tietagem. Esses engajamentos e sua independência musical  são componentes, que somados à voz marcante, fascina a todos: “Amo a música, acredito que nem tudo está perdido, creio no ser humano e na renovação do planeta”, declarou.
Essa Mulher, o disco, completou 30 anos em julho de 2009, que além da música "O Bêbado e a Equilibrista" (João Bosco e Aldir Blanc), batendo de frente com o momento político vivido em 1979; valorizou Cartola, apresentou Tunai e Sérgio Natureza e o histórico dueto de Elis & Cauby Peixoto: “Estava indo a uma entrevista, quando ele cruzou em minha frente: é esse…”, disse ao Pasquim (1979). O “Hino da Anistia” reivindicava a volta do irmão do Henfil  e a morte do jornalista Vladimir Herzog, contextualizando as mazelas da repressão militar. Além do luto que as vestia, mães-Marias tinham também corações torturados. Ouviam-se os gritos roucos ecoando dos porões;  sangue escorria de fecundas idéias mutiladas.
Elis, em 1979, participou do 13º Festival de Jazz de Montreux: luzes cruzam a “Noite Brasileira” e as ovações abalam o Cassino de Montreux. O Bruxo do jazz ordena ao piano, mas não intimida a Pimentinha. O show passara por algumas oscilações vocais, mas ela volta ao palco menos introspectiva, depois de “Mancada”, “Faca Amolada” e “Rebento(u)”. Despira-se do longo vermelho, busto roxo-bispo e da orquídea azul-lilás do figurino. Vozes a chamam muitas vezes: “Elis, Elis, Elis!..."  Essas e outras imposições a fazem ressurgir em cena. Os olhos nos olhos travam duelo na noite: ela atende às notas complicadíssimas de Hermeto e mantém-se indomável, invencível, cantando as canções como se cada verso se avessasse. A plateia, insistentemente, não se cansa... E, aos poucos, desvencilha-se dos aplausos que pesadamente a veste.
Um samba no Bexiga
 
Elis convidou Adoniran para um samba no Bexiga. Conversando no Bar, eles tomam cerveja, e juntos cantam Iracema e Saudosa Maloca. O compositor rememorou outros sucessos já vistos no  Fino da Bossa: "Um dia nós fumo um samba no Bexiga, na rua Major, na casa do Nicolá. À meia noite o'clock teve a baita de uma briga: era só pizza que avoava...", Adoniram faz todo mundo rir; depois sai com  Elis, pelas ruas do bairro, até a chegada simulada à porta  de uma discoteca, onde Rita Lee canta "Jardins da Babilônia"; enquanto que o cantor se recusa a entrar, averso ao ritmo: "Não entro nem com caaa...misa de força". As imagens são do DVD Doce Pimenta, Trama.
Elis: a caminho do sol



Elis Regina Carvalho Costa, nasceu em Porto alegre (RS). Começou a cantar em programa infantil da Rádio Farroupilha, até se projetar para o Brasil. Há 28 anos atrás, em 19 de janeiro de 1982, a notícia de sua morte, ocorrida em São Paulo, paralisou o país em todos os aspectos.
Os brinquedos e demais proezas infantis. Menina coberta de dengos maternais: trajes variados, cabelos adornados, o piano (cor-de-rosa) no quintal. O cotidiano soprou musicalidade à vida de Elis: aplausos dominicais levaram-na a enfrentar uma plateia pouco exigente, diversão em programa de auditório, sem maiores pretensões. Adolescendo o canto a voz tornou-se promissora, mas estudar era prioridade, exigência, impasse: o vermelho não podia se acender no boletim nem a aspiração musical podia apagar-se em seus planos.
O rádio espalhava grandes vozes nacionais e sedutores boleros latinos. Ângela Maria influenciou-a diretamente e seu canto começou a despontar vinculado a palcos locais, sinalizando, definindo a cantora que parte. E desponta o primeiro disco adubando esse desabrochar de carreira. “Vida de Bailarina” (1954), gravada pela Sapoti, é relançada pela “Pimenta” agridoce, no LP Elis (1972).
Fazeres escolares engavetados, curso sem conclusão, vestidos na valise, estrada de setas: avista “os dedos de Deus”. Em Copacabana deu de cara com as feras da noite, desafiou os valentes, desbravando o Rio. Um dia pensou em voltar à vida quieta de Porto Alegre, enterrando o projeto musical, exumando a escolaridade. Mas encorajada pelo jornalista Renato Sérgio, levou a sério os ensaios e se fortaleceu no Beco – pôs-se a cantar “num bar em troca de pão” –, partindo para apresentações mais consistentes, contrariando as expectativas dos produtores bossanovistas. “Eu tinha os olhos de espanto e o coração aberto demais” – disse mais tarde sobre sua inclusão carioca.
A Record presenteou-a com “O Fino da Bossa”, que fora seu primeiro e grande momento na televisão, mas o sucesso paralelo da Jovem Guarda, ofuscou o brilho do programa. A convite da emissora, Bôscoli reaparece na vida da cantora: olhares fuzilantes, testemunha indesejável, ironia do destino. Mas ele sabia iscar anzol, fisgar mulheres e mansos olhares acomodaram-se à meia luz, sob o romantismo do vinho. O piano e as conversas eram uma só musicalidade e o amor pareceu pacificar os inimigos.
E, da mansão “marroquina”, a visão paradisíaca do mar azul-turquesa, cravejado de ilhotas: o apogeu depois das agruras. O produtor adicionou traços urbanizados à cantora, – entendia de moda, estrelato – , mas ela continuou assoviando,  a sorrir, discos (voadores) arremessados sobre à Niemmyer: "Quaquaraquaquá” em seguida. Mas as trivialidades somam-se às severidades, separando-os. Elis não era fácil porque desafiava o difícil, literalmente.
A casa da Cantareira era o pedestal da paz: despontar de luas, ar sem diesel, inventos caseiros. “Quero a floresta em lugar da cidade (...)”. Tocando as coisas simples instalava-se no cotidiano rural e pacificava-se, depois da explosão de Falso Brilhante.
O pianista e arranjador César Mariano abrilhantou a carreira da artista por toda a década de 70, na eclosão da modernidade musical. Além da montagem de Trem Azul sem o pianista, tinha também que conectar os trilhos da vida, mas encantada com a invenção de cantar, en(cantou)-se: “Cantar era buscar o caminho que vai dar no sol...” Elis faz arrastão em outras correntezas, no giro de luas e cometas, no mar sem fim das galáxias, onde mergulham as estrelas.
Elis e Adoniran



Ele estava ansioso: aguardava Elis para uma conversa sobre os acertos finais da interpretação de Saudosa Maloca. "Ele sempre dá um jeito de escapar", disse Elis. E para felicidade do compositor, que de vez em quando se queixava da demora da cantora, ai está o momento exato que ela apareceu, em meio aos acertos finais da estreia do show Transversal Tempo.


http://elisreginapimentinha.zip.net 
Falso Brilhante



Elis, em cena, no show Falso Brilhante, exibido no Teatro Bandeirantes-SP, 1976. Um mega espetáculo: superlotado, durante os 14 meses em cartaz; modelo somente visto na Broadway. E ela estava ali, no apogeu, depois de  galgar até isso acontecer.